Analistas veem Bolsonaro sem governabilidade e ampliando gastos para evitar impeachment

O pedido de demissão de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, implodiu uma bomba nos rumos do governo de Jair Bolsonaro. A crise deflagrada pelas declarações de Moro sobre as tentativas de interferência do presidente nas investigações da Polícia Federal levanta a possibilidade de Bolsonaro ser alvo de um processo de impeachment. Tudo isso soma-se, claro, à crise do coronavírus, que tem impacto na saúde pública e na economia.

Analistas mostram quais são os caminhos possíveis do governo para tentar sobreviver à atual turbulência e a um possível afastamento.

Antes de tudo, o que pode pesar contra o presidente? No pronunciamento após o anúncio da sua demissão, Moro indicou que o presidente determinou a troca do chefe da Polícia Federal pois deseja ter acesso a informações de investigações relacionadas aos filhos Flávio Bolsonaro e Carlos Bolsonaro.

Além disso, o ex-ministro tocou em outros dois pontos delicados. Primeiro: ele disse que não recebeu aviso prévio sobre a exoneração de Maurício Valeixo, apesar da sua assinatura constar na publicação do decreto publicado no Diário Oficial da União. A dúvida é se a assinatura de Moro foi fraudada.

O segundo ponto é que o decreto informa que a saída do mandante da Polícia Federal, e que foi exibido no twitter de Bolsonaro, diz que a exoneração foi “a pedido” do próprio. No entanto, tanto Moro quanto Valeixo deram sinais de que ele foi pressionado a solicitar a sua demissão.

O que isso tudo significa? A fala de Moro foi considerada grave por políticos e representantes da Polícia Federal. Caso fique comprovado que Bolsonaro realmente tentou interferir nas investigações e que a troca de comando da PF aconteceu para atender a algum interesse próprio, o presidente estará sujeito ao impeachment.

Além disso, Bolsonaro corre o risco de perder o apoio de seu eleitorado. “É difícil estimar como a saída do ministro influenciará a base eleitoral do presidente. Não seria demasia ressaltar que boa parte do núcleo duro do bolsonarismo tem maior apreço por Moro do que pelo próprio presidente”, lembra Conrado Magalhães, analista político da corretora Guide.

Segundo uma prévia da pesquisa de popularidade feita pela XP Investimentos e pelo Ipsos, cerca de um terço dos brasileiros que apoiam Bolsonaro têm mais apreço por Sergio Moro do que pelo próprio presidente.

Sem apoio popular, o processo de impeachment pode se concretizar? Para que um processo de afastamento do presidente comece é necessário que haja aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O deputado tem sido espetado constantemente pelo próprio presidente e por seus apoiadores, o que abriu uma crise institucional entre a presidência e o Congresso.

Dito isso, Maia tem 28 pedidos de impeachment parados na sua mesa — ele não deu início a nenhum deles. Para tentar diminuir a possibilidade de ser afastado, Bolsonaro começou a estreitar laços com deputados do chamado Centrão, bancada que tem o maior quórum da Câmara e que representa o que o presidente sempre chamou de velha política.

“Bolsonaro tem oferecido cargos do 1º e 2º escalão para ganhar o apoio destes líderes. O presidente já tinha expressado interesse em exonerar Valeixo no ano passado, mas a concretização da demissão sugere que algum desses parlamentares (muitos são investigados na Lava-Jato) tenha solicitado um novo nome frente à PF”, observou em nota o economista Victor Beyruti, da Guide.

Mas o Centrão pode salvar Bolsonaro? É difícil dizer se há provas suficientes para estruturar um processo de impeachment. Tampouco dá pra saber se o Congresso vai embarcar nesse movimento em meio à crise profunda imposta pela pandemia do coronavírus.

O que se sabe, no entanto, é que a fidelidade desses parlamentares não é certa. “O Centrão estabelece alianças voltadas para interesses próprios, e pular do barco quando ele está adernando não é difícil pra esses políticos”, ressaltou o cientista político Carlos Melo, do Insper, em uma live promovida pela XP Investimentos.

De qualquer forma, a esperança do presidente parece ser a de que ele vai conseguir correr por fora das alianças de Maia. Segundo Erich Decat, analista político da XP, é provável que o presidente esteja planejando uma sobrevivência política até o ano que vem, quando um novo presidente da Câmara seria eleito. “E há chances de que o próximo líder da Câmara seja representante desse Centrão que se alia ao presidente”, disse, na mesma live.

Como Bolsonaro pode tentar garantir essa sobrevivência temporária? Uma das possibilidades é que, além de distribuir cargos e emendas, o presidente coloque o pé no acelerador das políticas de gasto. Esse possível caminho foi sinalizado nesta semana, quando o governo lançou um plano atrapalhado de infraestrutura chamado “Pró-Brasil”. O anúncio não contou com a presença do ministro da Economia Paulo Guedes.

Com poucas propostas concretas, o plano sofreu críticas por economistas. “Aquilo é um guardanapo de rabisco feito em uma mesa de almoço. Mas é uma indicação do caminho que Bolsonaro pode seguir daqui pra frente”, disse ao 6 Minutos Evandro Buccini, economista-chefe da gestora Rio Bravo.

Ele diz que caso o governo escolha abandonar o teto de gastos ou iniciar uma intervenção muito forte na economia, podemos ver um efeito de descrédito fiscal similar ao do último governo de Dilma Rousseff. “Talvez sejam em tempos de crise que as pessoas revelem o que são. Bolsonaro já se mostrou intervencionista e nacionalista”.

Nessa hipótese, todo o plano de reformas de Paulo Guedes seria desmontado, e a confiança no governo minada. A funcionalidade da gestão Bolsonaro já está comprometida, mas a governabilidade também estaria em xeque, segundo Buccini.

Paulo Guedes pode ser o próximo a sair do governo? O ministro não deu sinais, ainda, de que pretende abandonar o barco. Ele esteve presente no pronunciamento feito por Bolsonaro nesta tarde sobre as acusações feitas por Sergio Moro.

No entanto, é consenso entre analistas que o ministro já tem perdido força no governo. As vozes que pedem uma ampliação dos gastos para combater a crise têm se sobreposto a voz de Guedes, e Bolsonaro já se mostrava descontente com o baixo crescimento econômico mesmo antes da crise.

A permanência do ministro dependerá de como a negociação de Bolsonaro com o Centrão vai andar, e como as políticas de combate à crise serão administradas.

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