
– incluindo decisões recentes de tribunais internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça –, as autoridades falham ao não fazer qualquer menção ao tema. Apesar dos esforços do governo colombiano, que na reunião anterior da Cúpula anunciou a suspensão de novos contratos para exploração de petróleo, gás e carvão, Venezuela, Equador e Peru se opuseram à transição dos combustíveis fósseis. O Brasil, que reivindica liderança climática no cenário internacional, mas contraditoriamente defende a expansão da fronteira petrolífera na Amazônia às vésperas da COP30, se manteve “em cima do muro” e não se opôs explicitamente, o que evita bloqueios formais, mas ao mesmo tempo não exerce liderança nem pressão real sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.
Povos indígenas da Bacia Amazônica, parlamentares e sociedade civil vêm reiterando a necessidade de acabar com a expansão de petróleo e gás, sobretudo em áreas de alta biodiversidade, e de criar zonas de exclusão para atividades extrativistas, a fim de proteger ecossistemas críticos para o planeta – começando pela Amazônia.
A Cúpula da OTCA foi um momento crucial para anunciar medidas concretas para o Acordo de Paris e uma plataforma estratégica para alinhar prioridades regionais rumo à COP 30. Seguimos observando com preocupação a abertura de novas frentes de exploração de petróleo e gás em diversos países da região, o que representa uma ameaça aos direitos de povos indígenas e comunidades locais, bem como aos objetivos climáticos globais. A responsabilidade e a oportunidade de ação agora recaem sobre o Brasil, e a pressão deve ser coletiva, incluindo a sociedade civil e os povos indígenas, para que a COP30 se torne uma instância de avanços concretos na eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.
Avanços
O MAPI estabelece uma co-governança, em que cada país membro será representado por um delegado governamental e um delegado indígena. De acordo com especialistas da sociedade civil, isso garantirá a participação ativa dos povos indígenas na agenda da OTCA e reconhece sua contribuição para a proteção da biodiversidade e a luta contra as mudanças climáticas.
Especialistas da sociedade civil e representantes de povos indígenas amazônicos oferecem as seguintes análises:
Ilan Zugman, diretor para América Latina e Caribe, 350.org
“É decepcionante que, diante do consenso científico e jurídico, os presidentes da Amazônia tenham ignorado a urgência de libertar o bioma do petróleo e do gás. As medidas contra o desmatamento são importantes, mas insuficientes. Sem enfrentar os combustíveis fósseis, não há futuro nem para a floresta nem para o clima global. A COP30 pode e deve enviar sinais claros para que os governos corrijam essa omissão e assumam compromissos alinhados com a ciência. Será uma oportunidade para que os países revisem sua posição e avancem em compromissos concretos para pôr fim à era fóssil e avançar em uma transição energética justa.”
Gisela Hurtado, coordenadora de campanhas pela Amazônia, Stand.earth
“A aprovação do Mecanismo Amazônico dos Povos Indígenas e o órgão de co-governança representa um avanço crucial para superar a histórica ausência de representação e participação plena e efetiva dos Povos Indígenas da Bacia Amazônica nas instâncias da OTCA. No entanto, as autoridades da região perderam a oportunidade de liderar suas próprias transições energéticas. Apesar dos esforços da Colômbia, persiste a falta de vontade política em romper com a lógica colonial do extrativismo. Cabe ao Brasil, que vai sediar a COP30 em novembro, a responsabilidade de apresentar propostas mais ambiciosas para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e para a criação de zonas de exclusão de atividades extrativistas, em alinhamento com as demandas unificada dos povos indígenas e da sociedade civil. O futuro da floresta, de seus povos e do planeta depende das decisões que tomarmos agora.”
Melissa Marengo, Oficial Sênior de Programa, Natural Resource Governance Institute (NRGI)
“É preocupante que os presidentes amazônicos não tenham conseguido construir uma visão compartilhada sobre a governança do bioma nem sobre seu papel estratégico na transição energética global. As medidas contra o desmatamento são essenciais, mas não suficientes. Se não enfrentarmos a dependência dos combustíveis fósseis, a floresta e o clima mundial não têm futuro.
A Amazônia precisa de uma perspectiva comum: reconhecê-la como um bem estratégico para a humanidade e orientar políticas coerentes em nível regional. A OTCA era a plataforma ideal para essa visão coletiva, mas foi desperdiçada. A isso se somam as economias ilegais — mineração de ouro, narcotráfico, contrabando de madeira — que corroem a governança, geram violência e bloqueiam qualquer transição justa. Enfrentar esses desafios juntos é tão urgente quanto reduzir a dependência dos fósseis. A COP30 é a oportunidade de corrigir essa lacuna e enviar um sinal claro: os países amazônicos devem se comprometer com uma transição energética justa e com um marco de governança regional alinhado com a ciência e a urgência climática.”
Juliana Peña Niño, Gerente do Programa Colômbia, NRGI
“A recente cúpula da OTCA evidenciou uma lacuna: as comunidades amazônicas não foram ouvidas de forma suficiente no processo de tomada de decisão. Mas são elas que vivem, dia após dia, as consequências da dependência do petróleo. Em Putumayo, no coração da Amazônia colombiana, a produção já caiu quase pela metade na última década, e o mundo demandará menos petróleo depois de 2030. Agarrar-se aos combustíveis fósseis só trará mais vulnerabilidade e pobreza. Uma transição energética justa, construída com as comunidades no centro, é o único caminho para garantir um futuro sustentável para a Amazônia e suas economias. A responsabilidade econômica não recai apenas sobre os países amazônicos: deve ser assumida de forma coletiva. Não é uma opção, é uma urgência.”
Sila Mesquita, Rede GTA de Trabalho Amazônico
“Desde a Rede GTA de Trabalho Amazônico acreditamos que somente uma Amazônia livre do petróleo e das empresas que exploram combustíveis fósseis poderá garantir a justiça climática e uma verdadeira transição energética. Interromper a atividade dessas companhias é o único caminho para assegurar a soberania dos povos originários e tradicionais. A ação predatória dessas empresas, que invadem territórios sem consultar as comunidades, causa danos irreversíveis: contamina rios e florestas, destrói modos de vida, aumenta a violência contra as populações e compromete o futuro da Amazônia e do planeta.”
Juan Bay, Presidente da Nacionalidade Waorani do Equador
“Os presidentes amazônicos não estão ouvindo a voz dos povos indígenas que temos protegido a floresta desde tempos ancestrais. Ignoram que vivemos uma crise climática. O povo Waorani deu um passo muito importante ao decidir deixar o petróleo no subsolo no Yasuní: marcamos um marco global. Mas o Estado equatoriano não cumpre, e esse descumprimento reflete a falta de vontade política dos mandatários para superar a dependência dos combustíveis fósseis. Isso ficou evidente na Declaração de Bogotá da OTCA.”
Diana Chávez, Dirigente de Cooperação Internacional da Nacionalidade Kichwa de Pastaza – PAKKIRU (Equador) e membro da Assembleia por uma Amazônia Livre de Combustíveis Fósseis
“Mais de 50 organizações exigimos em Bogotá declarar a Amazônia livre de combustíveis fósseis, mas a declaração final ignorou essa demanda e omitiu mencionar o petróleo e o gás, principais ameaças para a floresta e para nossos direitos. No Equador, o povo votou ‘Sim’ para deixar o petróleo no Yasuní, mas o governo não cumpre e a expansão avança. Essa incoerência se repete em toda a região. A Amazônia não se salva apenas freando o desmatamento: na COP30 os Estados devem assumir compromissos claros para acabar com os combustíveis fósseis.”
Alex Rafalowicz, Diretor Executivo do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis
“Os presidentes amazônicos desperdiçaram a oportunidade de reconhecer que a extração de petróleo e gás é uma das maiores ameaças para a Amazônia. Ciência, povos indígenas e direito internacional coincidem em dois requisitos indispensáveis para salvar a região: reconhecer o perigo real dos combustíveis fósseis e cooperar entre Estados. Mais de 50 organizações exigiram declará-la livre de fósseis; atender a esse chamado teria sido um verdadeiro ato de liderança global. A COP30 em Belém deve corrigir essa omissão e abrir o caminho para um Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, uma ferramenta-chave para facilitar a cooperação rumo a uma transição justa que proteja a Amazônia e o mundo.”
Toya Manchineri, Coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
“É lamentável que a Cúpula da OTCA tenha omitido declarar a Amazônia como zona livre de exploração de combustíveis fósseis. Foi uma oportunidade histórica desperdiçada pelos presidentes. Os fósseis são os grandes vilões da crise climática global, e a Amazônia, já em situação crítica, não pode ser tratada como mais uma fronteira para projetos predatórios que violam territórios indígenas, aceleram o desmatamento e colocam em risco o futuro do planeta. Nossos territórios são essenciais e estão comprovados como as barreiras mais eficazes frente à crise climática, ao atuarem como sumidouros de carbono vitais para o equilíbrio climático. Proteger a Amazônia não é uma questão ideológica, é uma emergência científica e humanitária. A exclusão desse ponto crucial da Carta de Bogotá é uma omissão e um retrocesso no enfrentamento da crise climática global.”
Carolina Marçal, Coordenadora de Projetos, Instituto ClimaInfo
“Embora a Cúpula da OTCA tenha trazido avanços importantes para a conservação da Amazônia e a participação dos povos indígenas, falhou em assumir um compromisso pelo fim dos fósseis no bioma. A conferência era vista como uma plataforma estratégica para alinhar prioridades regionais rumo à COP30, e esperava-se que a Amazônia fosse declarada uma zona de exclusão para a exploração de petróleo e gás como primeiro passo de um esforço global para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Precisamos com urgência de um acordo global para sua eliminação, e nossa região tem todas as condições para liderar uma transição energética justa. Agora é necessário que os países assumam na COP30 o compromisso definitivo de acabar com os fósseis.”
Osver Polo, CAN Latinoamérica
“No âmbito desta V Cúpula, a demanda por deixar para trás os combustíveis fósseis se tornou mais visível e forte, impulsionada principalmente pelas organizações indígenas e parlamentares, que enviaram uma mensagem clara de luta rumo à COP30. A Colômbia tem liderado esse debate e será decisivo o que ocorrer no encontro com Lula, que promove a exploração fóssil. No entanto, a criação do MAPI representa uma grande oportunidade: um espaço a partir do qual continuar pressionando pela transição justa, com o acompanhamento e liderança dos povos indígenas.”
Karla Maass Wolfenson, Responsável de Incidência da Climate Action Network Latinoamérica (CANLA) e coordenadora de incidência da Aliança Cuencas Sagradas Amazônicas (ASHA)
“A V Cúpula de países amazônicos reflete a complexidade do cenário de coordenação e governança multilateral, em particular a possibilidade de traçar uma visão comum sobre como enfrentar a crise climática. Para muitos, esta era uma oportunidade-chave para enviar um sinal ao mundo e apoiar os povos na transição para economias descarbonizadas, onde os combustíveis fósseis não têm espaço.”