InícioNotíciasCasos de assédio e intimidação contra fiscais agropecuários crescem e acendem alerta

Casos de assédio e intimidação contra fiscais agropecuários crescem e acendem alerta

Pressão crescente da indústria sobre a fiscalização pública foi debatida durante o VII Conaffa, em Bento Gonçalves (RS)

Intimidações, denúncias caluniosas e até tentativas de homicídio. Os crescentes casos de assédio a auditores fiscais federais agropecuários representam uma grande preocupação para os profissionais da carreira, que enfrentam pressões tanto internas quanto externas, muitas delas vindas da indústria. O tema foi debatido durante o VII Congresso Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Conaffa), que, de forma inédita, reuniu representantes da Ouvidoria e da Corregedoria do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para discutir estratégias de prevenção e de investigação de acusações.

Promovido pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), o evento ocorreu entre os dias 22 e 25 de outubro, em Bento Gonçalves (RS), e debateu os desafios enfrentados pelos profissionais da carreira no exercício de funções típicas de Estado. Por se tratar de uma atividade fiscalizatória e essencial à defesa do interesse público, a atuação dos profissionais deve estar protegida de interferências comerciais e da pressão da indústria, realidade que, segundo relatos, tem se intensificado.

“O assédio, seja interno ou externo, é uma das formas mais cruéis de violência no ambiente de trabalho. Ele fere a dignidade e a saúde mental dos profissionais, mas também coloca em risco a missão pública da fiscalização agropecuária, que é garantir a segurança dos alimentos, a sanidade animal e vegetal, e a confiança da sociedade no Estado. No dia a dia, muitos colegas enfrentam pressões indevidas, intimidações e constrangimentos, às vezes vindos de dentro das próprias estruturas institucionais, outras, de agentes econômicos e interesses externos que tentam interferir na atuação técnica e independente do servidor. Essas situações não podem ser naturalizadas. Precisam ser nomeadas e enfrentadas com firmeza”, destacou a coordenadora do Conaffa, Beatris Kuchenbecker.

De acordo com o corregedor do Mapa, Cyro Rodrigues de Oliveira Dornelas, diversas denúncias anônimas contra servidores acabam sendo arquivadas por falta de provas. “As denúncias começam a chegar e a gente vê que há a possibilidade de alguma empresa querer trocar, tirar aquele colega da planta (frigorífica). A Corregedoria, formalmente, entra em contato com o Sipoa (Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal), reúne informações e, se tiver elementos, a gente prossegue com o processo. Caso contrário, a gente arquiva”, afirmou Dornelas. E completou: “Para quem trabalha bem e faz a coisa certa, a Corregedoria está aqui para trazer segurança jurídica”.

Segundo o corregedor, há casos graves em apuração, como o de uma tentativa de homicídio contra uma auditora fiscal federal agropecuária, em 2024. “Instauramos um processo de responsabilização de pessoa jurídica e a empresa está respondendo com a multa que a Lei Anticorrupção trata, em que a base de cálculo é o faturamento bruto anual menos os impostos, tanto a matriz quanto as filiais. A Corregedoria está dando essa resposta e esperamos, em breve, ter a conclusão desse caso”, relatou.

A ouvidora do Mapa, Maria das Graças Gonçalves Salles, destacou que o órgão participou da elaboração de um protocolo para tratamento de casos de violência externa sofrida por agentes públicos em serviço. “Conseguimos concluir, com a participação do Anffa Sindical, e foi apresentada uma proposta de portaria. Foi um trabalho bem feito, muito bem detalhado e amadurecido. Haverá um formulário de avaliação de risco da atividade e a possibilidade de mudança de lotação, melhoria de processo de fiscalização”, explicou.

Maria das Graças ressaltou ainda a importância do registro das ocorrências e do uso da plataforma FalaBr, através do site. Após o relato, que pode ser anônimo, é feita uma análise preliminar sobre autoria, materialidade e relevância, e o caso é encaminhado à unidade de apuração. Uma equipe da Ouvidoria é responsável pelo acolhimento ao denunciante.

Mudança de comportamento

Para a promotora aposentada do Ministério Público do Distrito Federal (MP-DF) e ex-delegada de polícia em São Paulo, Rose Meire Cyrillo, as práticas de assédio e discriminação estão diretamente relacionadas ao comportamento e ao padrão de linguagem institucional. Por isso, segundo ela, o enfrentamento deve ir além das normas: é preciso mudança cultural e engajamento das lideranças.

“É uma violência que, embora muitas vezes seja silenciosa e sutil, é devastadora também, diminui o trabalhador. Ela exclui, humilha e adoece. Em muitos casos, as pessoas cometem até suicídio em todo o Brasil, inclusive funcionários de empresas públicas”, afirmou.

De acordo com a especialista, uma pesquisa apontou que 41,6% dos homens e 46,3% das mulheres já sofreram assédio moral no trabalho. Contudo, apenas 12,4% registraram denúncia nos canais internos, enquanto 38,5% recorreram ao apoio de pessoas próximas.

“Não tenho dados de empresas públicas, mas são pessoas, que embora na iniciativa privada, são seres humanos que reagem da mesma forma nos seus ambientes profissionais. A gente tem que perceber que esses dados estão nos dizendo alguma coisa, que é essa tolerância que sempre tiveram nas organizações em relação ao assédio. Esse silêncio corrói a cultura organizacional, a produtividade, além de adoecer trabalhadores. Pessoas que passam por situações como esta perdem motivação, confiança na instituição e identidade”, destacou.

O Governo Federal, por meio da CGU, lançou o Guia Lilás, que reúne orientações para prevenção e tratamento de casos de assédio moral, sexual e discriminação na administração pública federal. Ele pode ser acessado aqui.

O Anffa Sindical repudia toda forma de assédio e de pressão sobre os auditores fiscais federais agropecuários. O sindicato atua em parceria com o Mapa para promover a melhoria do ambiente de trabalho, fortalecer as políticas de prevenção e prestar apoio às vítimas. A entidade reforça, ainda, que qualquer tentativa de intimidação ou interferência indevida é inaceitável e deve ser combatida para garantir o exercício pleno e independente da fiscalização agropecuária no país.

DISTRITO FEDERAL
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Da Redação