Pregão foi bastante movimentado após fala do presidente sobre reajuste de preços da Petrobras e alerta para o CEO da estatal
As ações da Petrobras (PETR3, R$ 27,10, -7,92%;PETR4, R$ 27,33, -6,63%) registraram forte baixa na sessão desta sexta-feira (19), com os investidores repercutindo a fala de Jair Bolsonaro, presidente da República, na véspera, com críticas ao forte reajuste de preços de combustíveis e aumentando a percepção de risco para a estatal. Os ativos PETR3 fecharam com queda de quase 8% e os PETR4 tiveram baixa superior a 6%. Com isso, o valor de mercado da estatal passou de R$ 383 bilhões na véspera para R$ 354,8 bilhões nesta sessão, um valor R$ 28,2 bilhões menor.
Após a polêmica nos primeiros dias do mês com a notícia de que a Petrobras havia ampliado de três meses para um ano o prazo em que calcula a paridade internacional de preços dos combustíveis (veja mais clicando aqui), o anúncio da véspera de um forte reajuste dos combustíveis (alta de 15% para o diesel e de 10% para a gasolina) havia sido considerado positivo pelos analistas de mercado para a estatal.
Isso uma vez que acabava por reduzir fortemente o desconto (ainda que não eliminando) em relação aos valores internacionais (veja mais aqui) em meio à valorização do petróleo e a desvalorização do câmbio, reforçando assim a avaliação da independência da política de preços da companhia, que foi posta em xeque nos últimos dias.
Contudo, mesmo os analistas que viram a notícia como positiva para os papéis da estatal destacaram na última quinta-feira possíveis reações no radar, como foi o caso do Bradesco BBI ao apontar que o risco para a Petrobras diminuiria significativamente, mas havia a questão de uma possível forte reação por parte dos caminhoneiros.
Já a XP Investimentos destacou que um reajuste de tamanha magnitude ter que ocorrer e mesmo assim não ser suficiente para a companhia retornar à níveis de paridade de importação ilustravam os desequilíbrios recentes da política de preços de combustíveis da Petrobras após um represamento em meio a um cenário de volatilidade do câmbio e dos preços do petróleo.
Além disso, os analistas da XP reforçaram na noite de ontem que ainda não se sabia se os reajustes significativos nos preços dos combustíveis – especialmente no caso do diesel – iriam gerar repercussões futuras em termos de descontentamento da população (principalmente no que diz respeito à categoria profissional dos caminhoneiros) e reações na esfera política. Cabe lembrar que, no começo de fevereiro, em meio ao cenário mais negativo sobre a política de preços da estatal, tanto a XP quanto o BBI reduziram a recomendação das ações da Petrobras para equivalente à neutra.
Horas depois, a reação veio: o presidente da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores), Wallace Landim, conhecido como Chorão, divulgou uma nota reclamando do anúncio do novo aumento de preços de combustíveis. Chorão foi um dos articuladores da greve de caminhoneiros de 2018, e cobrou que o presidente Bolsonaro reduzisse os impostos cobrados sobre os combustíveis.
“O que nos faz questionar onde está a palavra do governo federal que na pessoa do presidente da República sinalizou a diminuição dos impostos federais dos combustíveis e vamos para o quarto aumento consecutivo em menos de 30 dias se mantendo inerte e nada fez de concreto até o presente momento”, diz a nota.
Por outro lado, em oposição à pressão dos caminhoneiros, a Associação dos Importadores de Combustíveis (Abicom) vem afirmando que os preços dos combustíveis praticados pela Petrobras estão abaixo da paridade internacional e inviabilizam a atividade de muitos importadores no país, em uma competição desleal.
Posteriormente, em sua tradicional live semanal nas redes sociais, Bolsonaro afirmou que considerou o aumento anunciado pela Petrobras, o quarto do ano, “fora da curva” e “excessivo”. “Não posso interferir nem iria interferir [na estatal]. Se bem que alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias, tem de mudar alguma coisa”. A empresa afirmou na quinta que não comentará a fala do presidente.
A artilharia se voltou para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Bolsonaro apontou que “obviamente” vai ter consequência uma fala do CEO: dias atrás, o executivo havia dito que a ameaça de greve de caminhoneiros não era problema da Petrobras.
Na live, Bolsonaro reclamou dos preços dos combustíveis e anunciou medidas com o objetivo de reduzi-los. “Nós acusamos responsabilidade de todo mundo. Pessoal, ninguém dá bola pra nada. Você vai na Receita: ‘Você, da Receita, não fiscaliza por quê?’ O cara não tem resposta. Eu não posso chamar atenção da Agência Nacional de Petróleo, porque é independente, mas tem atribuição também. Não faz nada”, disse.
“Você vai em cima da Petrobras e ela fala: ‘Opa, não é obrigação minha’. Ou, como disse o presidente da Petrobras, há questão de poucos dias, né: ‘eu não tenho nada a ver com caminhoneiro. Eu aumento o preço aqui, não tenho nada a ver com caminhoneiro’. Foi o que ele falou, o presidente da Petrobras. Isso vai ter uma consequência, obviamente”, emendou.
Bolsonaro tem um forte ligação, desde a época da campanha, com os caminhoneiros e tem anunciado uma série de medidas para a categoria durante a sua gestão.
O Credit Suisse avaliou a crítica de Bolsonaro à alta de preços de combustíveis praticada pela Petrobras como negativa apontando que, na avaliação do banco, o mercado deverá precificar o aumento de risco de interferência.
Ao Broadcast, na véspera, o analista de petróleo e gás da consultoria StoneX, Thadeu Silva, apontou: “O mercado claramente deve precificar alguma coisa contra a Petrobras amanhã [hoje], com o risco de uma ingerência mais direta na política de preços”. Ele ainda complementou: “Essas declarações do Bolsonaro são fortes, mas temos de ver o resultado efetivo delas”.PUBLICIDADE
Vale destacar que, no pré-market da Bolsa de Nova York, por volta das 9h os ADRs (na prática, as ações negociadas no exterior) PBR da estatal caíam cerca de 3% (intensificando as perdas posteriormente), já indicando uma sessão negativa para os papéis na B3, o que foi confirmado com a abertura do mercado brasileiro, até mesmo com mais intensidade. A sessão, vale destacar, também foi de perdas para o petróleo, de 1,60% para o contrato futuro do brent com vencimento para abril, a US$ 62,91 o barril, e de 2,10% para o WTI com vencimento em março, a US$ 59,26 o barril.
Silva ainda apontou que o ajuste realizado pela Petrobras na véspera era necessário para a estatal não arcar sozinha com o aumento do preço do petróleo no mercado internacional, diante da disparada do preço da commodity, que voltou ao patamar dos US$ 60 o barril. Após o aumento, os players privados começaram a se movimentar para importar cargas dos combustíveis, já que a paridade com o preço internacional ficou mais favorável.
“A gente está com uma bomba armada muito séria. Conforme a Petrobras foi retrasando os aumentos, a defasagem (em relação ao mercado internacional) foi crescendo e paralisando a logística de distribuição. Havia um impasse porque o suprimento para março estava seriamente ameaçado”, apontou à agência. Para ele, ou a companhia aumentava os preços dos combustíveis ou teria de arcar com prejuízos para garantir o abastecimento.
Por enquanto, os investidores e analistas ainda monitoram os próximos atos do presidente. A equipe de análise da XP Investimentos aponta que, apesar de não ser possível avaliar impactos sobre a companhia, a reação do mercado é negativa tendo em vista a maior percepção de riscos para a autonomia da estatal e de sua política de preços de combustíveis. “Isso reforça nossa visão de maior cautela com a Petrobras, com recomendação neutra nas ações e preços-alvo de 12 meses de R$ 32 para PETR4 e PETR3”, ressaltam Gabriel Francisco e Maira Maldonado, que assinam o relatório.
A princípio, Bolsonaro anunciou na quinta que, a partir de 1º de março, a cobrança de impostos federais sobre o gás de cozinha cairá a zero “para sempre”. Além disso, o presidente prometeu zerar por dois meses, contados a partir de 1º de março, os impostos federais sobre o óleo diesel.
De acordo com Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, a primeira estimativa aponta que zerar os impostos federais sobre o diesel, aos níveis atuais de preço e volume de vendas, representaria uma renúncia de receitas da ordem de R$ 1,5 bilhão por mês (R$ 3 bilhões no bimestre anunciado, portanto). Já para o gás de cozinha, o impacto tende a ser pequeno.
“O mais relevante, contudo, é que o atual arcabouço fiscal brasileiro não permite tal medida sem compensação”, avalia, salientando a avaliação de Jorge Rachid de que o Poder Executivo, mediante decreto, pode reduzir as alíquotas das contribuições para o PIS e para a Cofins sobre combustíveis. No entanto, há necessidade de adoção de medidas compensatórias para atender a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na mesma linha, Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, ressaltou: “O anúncio mostra que falta planejamento. O valor não é tão expressivo, mas cabe lembrar que há uma série de questões não contempladas no PLOA, ao qual se soma esta novidade. A LRF exige compensações. Quanto antes o governo tiver um plano para o curtíssimo prazo e para o médio prazo, melhor.”
De acordo com Alessandra Ribeiro, sócia e diretora da Tendências Consultoria Integrada, o impacto estimado do corte de impostos em combustíveis é de R$ 3 bilhões, mas é importante observar limitações impostas pela legislação para alterações com efeito imediato. A economista reforça a visão de que não está claro ainda, por exemplo, se o governo terá de apontar compensações para a renúncia de receita devido à LRF.
Para Alessandra, a decisão é questionável também em razão da situação fiscal do governo atualmente. “Tem pressão sobre vários preços. Por que fazer algo pontual para combustível? Isso abre precedente, ainda mais para um governo dito liberal do ponto de vista econômico. É uma medida bem contra essa cartilha, pontual, favorecendo um segmento”, destaca.
As falas de Bolsonaro na véspera também têm impacto em outros setores: o presidente afirmou que o dólar está alto e tem que baixar a R$ 5,00 com reformas. Carlos Menezes, gestor da Gauss Capital, disse à Bloomberg que o mercado vai apostar em um Banco Central mais hawkish (favorável a apertos na política monetária para conter a inflação) para ajudar o real, dado que o juro baixo ajuda a enfraquecer a moeda brasileira e o dólar alto é apontado como uma das causas da alta dos combustíveis.
Eventos da próxima semana
Em meio a tantas incertezas para a Petrobras, a próxima semana será repleta de eventos para a companhia. Após a fala da última quinta, Bolsonaro reiterou nesta sexta as suas falas sobre a companhia. “Anuncio que teremos mudança sim na Petrobras”, disse o presidente durante viagem a Sertânia, em Pernambuco, para inauguração de uma obra. Bolsonaro afirmou que “jamais” vai interferir na estatal, mas reclamou que “o povo não pode ser surpreendido” com os reajustes nos combustíveis.
“Se lá fora aumenta o preço do barril de petróleo e aqui dentro o dólar está alto, sabemos suas repercussões no preço dos combustíveis, mas isso não vai continuar sendo segredo de Estado. Exijo e cobro transparência de todos aqueles que tenho responsabilidade de indicar.” O presidente não esclareceu quais são as mudanças que pretende fazer na empresa ou qual exatamente é a transparência que está cobrando.
Cabe destacar que, na próxima semana, mais precisamente na terça-feira (23), véspera da divulgação dos resultados de 2020, o Conselho de Administração da Petrobras se reúne para deliberar, entre outros assuntos, a recondução de Castello Branco para mais um mandato de dois anos para o executivo, que assumiu no começo de 2019. A reunião é ordinária e já estava marcada para ocorrer. O “timing” da fala de Bolsonaro, uma vez que é o Conselho que tem o poder de retirar o CEO da estatal, também pesou nos papéis da Petrobras nesta sessão.
De acordo com fontes ouvidas pela Reuters, o Conselho defende Castello Branco, embora a maioria de seus membros seja nomeada pelo governo. Segundo a mesma agência, Castello Branco também não pretende pedir demissão da companhia.
“Não vai ceder e não pretende sair”, disse uma das fontes à agência, na condição de anonimato. “Já houve um tempo em que o conselho (de administração da empresa) era pró-governo, e agora é independente”, acrescentou a fonte, argumentando que o CEO tem apoio para continuar na empresa.
Sem vida fácil
De qualquer forma, a Levante Ideias de Investimentos destaca que a fala recente do presidente é uma das mais preocupantes em termos de política econômica desde a sua posse em 2019, sinalizando ao mercado de que as estatais não terão vida fácil caso não atendam aos interesses e lobby de grupos específicos de sua base eleitoral.
“A live de Bolsonaro gera uma incerteza grave sobre os rumos da companhia que, sob a gestão de Roberto Castello Branco (atual CEO), reduziu fortemente o endividamento que estava em níveis insustentáveis, recuperou e melhorou a rentabilidade das operações, enxugou a empresa vendendo ativos que só consumiam caixa, de modo que mesmo com preços de petróleo em patamares baixos, a companhia é capaz de gerar caixa positivo e mira até a volta de pagamento de dividendos”, aponta.
Além disso, avaliam os analistas, os impactos de uma possível intervenção na Petrobras podem ir além de simplesmente gerar prejuízos financeiros. “Pode afugentar o capital estrangeiro para investimentos, o que já vem ocorrendo no país de alguma forma. A fuga pode se espalhar não somente nos ativos em processo de venda pela companhia (refinarias principalmente), mas também em ativos nos setores de infraestrutura, energia elétrica e em todos os setores que há alguma regulamentação estatal mais firme, com consequências sobretudo no médio e longo prazo”, ressaltam.
(com Agência Estado)