Quando olho para o Brasil de hoje, como advogado tributarista e CEO de uma fintech voltada à área tributária, eu vejo um país que modernizou a forma de pagar, mas ainda patina na forma de tributar e ainda não decidiu o que quer fazer com sua moeda digital. Pix, Reforma Tributária e Drex são três peças da mesma engrenagem: inclusão financeira, reorganização do Estado e controle (ou liberdade) sobre o capital. Entender esse trio é fundamental para qualquer empresário que queira sobreviver e crescer nos próximos anos.
Começo pelo Pix porque, na prática, ele já venceu. Em pouco mais de cinco anos, o sistema de pagamentos instantâneos deixou de ser uma novidade para virar infraestrutura crítica da economia brasileira. Em 2024, o Pix superou todos os outros meios de pagamento em número de transações, com mais de 60 bilhões de operações, movimentando mais de R$ 26 trilhões em um único ano. Em 2025, antes mesmo de terminar o ano, o volume já ultrapassou o total de 2024 e a soma desde o lançamento chega a dezenas de trilhões de reais. Isso não é só uma curiosidade estatística: é uma mudança estrutural.
Os dados mostram também uma mudança de comportamento. Em 2021, o dinheiro em espécie ainda era o meio de pagamento mais usado no dia a dia; em 2024, o Pix já aparece como o instrumento utilizado com maior frequência pela população, à frente do papel-moeda e dos cartões. Ao mesmo tempo, o Banco Central aponta que os saques em espécie caíram mais de 30% desde a criação do Pix, enquanto os valores movimentados por ele se multiplicaram várias vezes. Isso significa bancarização, formalização de pequenos negócios e, principalmente, redução do custo de transação para quem mais precisa.
Do meu ponto de vista, o Pix democratizou o acesso financeiro de uma forma que o sistema bancário tradicional não conseguiu fazer em décadas. Ao lidar com empresas com dificuldades tributárias e restrições bancárias sérias, o acesso ao mercado financeiro ainda é um desafio, no qual qualquer restrição bancária significava ficar fora do jogo. A combinação entre Pix e fintechs permitiu recriar relações financeiras onde antes só existia porta fechada.
Só que, enquanto os meios de pagamento avançaram, o sistema tributário continuou sendo, por muito tempo, o mesmo labirinto de sempre. Em 2023, a Emenda Constitucional 132 inaugurou a chamada Reforma Tributária sobre o consumo, criando a base do IVA dual brasileiro, formado pela CBS (federal) e pelo IBS (estadual e municipal), que vão substituir uma miríade de tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS. A nova tributação começa a ganhar corpo a partir de 2026, com regras de transição que se estendem até a próxima década.
Do ponto de vista técnico,é notória a intenção de simplificar. Um sistema baseado em dois grandes tributos sobre bens e serviços é mais racional do que a colcha de retalhos atual. O problema é a execução. As notas técnicas do Ministério da Fazenda e os debates no Congresso apontam para uma alíquota de referência que pode chegar a um teto de 26,5% somando IBS e CBS, o que, na prática, colocaria o Brasil entre os países com IVA mais alto do mundo, ainda que haja mecanismos previstos para calibrar esse número ao longo do tempo. Como tributarista, eu olho para isso com ceticismo: um IVA alto, mal calibrado e cheio de exceções setoriais é receita pronta para insegurança jurídica.
E aqui entra um ponto crucial: as exceções são o combustível da judicialização. Quando o governo decide que certos setores estratégicos terão carga menor, ele cria um incentivo inevitável para que toda a cadeia produtiva ao redor peça equiparação na Justiça. Isso tende a multiplicar disputas, alimentar litigiosidade e aumentar o custo jurídico para as empresas, exatamente o contrário do que se promete quando se fala em simplificar.
Outro aspecto que me incomoda na Reforma Tributária é a centralização. A nova estrutura tende a concentrar mais poder decisório em Brasília, com comitês gestores que vão definir alíquotas e repartição de receitas entre estados e municípios. Na teoria, isso melhora a coordenação; na prática, abre espaço para decisões altamente politizadas sobre para onde vai o dinheiro. Municípios, que são a linha de frente na entrega de serviços ao cidadão, podem perder autonomia e previsibilidade de caixa. Eu, sinceramente, ainda não consigo enxergar como isso não vai aumentar a disputa federativa e gerar mais volatilidade para quem empreende na ponta.
Para o empresário, a mensagem que eu tiro de tudo isso é dura, mas honesta: não conte com a Reforma Tributária como solução mágica para o seu problema. Mesmo que, no longo prazo, ela venha a simplificar algo, o curto e médio prazo serão de transição, interpretação, ajustes e uma avalanche de regulamentações infralegais. Vai ter norma complementar, resolução, decisão de comitê. Quem sobreviver melhor será quem tiver organização tributária e controle de fluxo de caixa – não quem ficar esperando o “Brasil simplificado” bater na porta.
É nesse ponto que eu enxergo o papel das fintechs especializadas em tributação. O tripé que eu ajudei a construir – tributário, meios de pagamento e banco – não é um exercício teórico. Quando eu reviso a situação fiscal de uma empresa, redesenho sua estrutura societária (holding, eventuais estruturas no exterior, tudo dentro da legalidade) e, ao mesmo tempo, ofereço meios de pagamento e linhas financeiras inteligentes, eu não estou “fazendo milagre”; eu estou usando tecnologia e engenharia jurídica para transformar um quadro de asfixia em projeto de retomada. A Reforma pode até mudar as regras do jogo, mas quem tem dados, estrutura e crédito consegue se adaptar mais rápido.
Se Pix e Reforma Tributária são elementos já bem visíveis no tabuleiro, o Drex é, para mim, a peça que entrou e saiu do radar rápido demais, e isso diz muito sobre o Brasil de 2025. Oficialmente, o Drex é a iniciativa de moeda digital de banco central (CBDC) do Brasil, pensada para operar no atacado por meio de bancos e fintechs, não como uma “criptomoeda pública” nem como substituto do Pix.O piloto começou em 2023, testando liquidação de ativos tokenizados e operações de entrega versus pagamento.
Ao longo de 2024 e 2025, porém, o projeto enfrentou desafios relevantes de tecnologia e privacidade. O Banco Central testou a plataforma Hyperledger Besu, avaliou modelos de rede distribuída e, em 2025, começou a sinalizar uma mudança de rota: a arquitetura baseada em blockchain, tal como inicialmente desenhada, não se mostrou adequada para todos os objetivos, e parte da agenda deve migrar para infraestruturas mais tradicionais de tokenização de ativos e serviços de bastidor, “por trás das cortinas”, a partir de 2026. Paralelamente, surgiram notícias de que o projeto, na forma como vinha sendo comunicado ao público, foi descontinuado ou pelo menos radicalmente redesenhado, justamente por não conseguir conciliar privacidade com controle.
Desde o início, eu tinha ressalvas importantes em relação ao Drex. A ideia de o Estado ter um canal direto, granular e programável sobre o saldo e as transações dos cidadãos e das empresas levanta um problema que vai muito além da tecnologia: é um problema de poder. Em um modelo de CBDC desenhado sem salvaguardas fortes, ficar devendo para o fisco pode significar não apenas multa ou execução judicial, mas o bloqueio automático de acesso ao sistema financeiro, com débitos compulsórios diretamente da sua “carteira digital oficial”. Em países com instituições muito estáveis, isso já é tenso; em ambientes com maior volatilidade jurídica e política, é um risco que eu não minimizo.
Quando eu comparo Pix e Drex, a diferença de espírito é clara. O Pix nasceu para abrir portas: facilitar a vida de quem não tinha acesso, reduzir custos de transação, estimular a concorrência entre bancos e fintechs. O Drex, da forma como vinha sendo ventilado, corria o risco de virar uma grande válvula de controle de capital, ainda que travestida de inovação. A decisão do Banco Central de rever profundamente o projeto, desacelerar a narrativa de “moeda digital para todos” e focar em usos mais restritos e técnicos me parece, sinceramente, um movimento de prudência. Melhor admitir as limitações agora do que empurrar para a sociedade uma infraestrutura potencialmente invasiva, sem debate adequado.
Olhando para o ano econômico do Brasil sob esse prisma – Pix, Reforma Tributária e Drex – eu enxergo um país em encruzilhada. De um lado, uma infraestrutura de pagamentos moderna, que já é referência internacional e que provou ser capaz de incluir, baratear e dinamizar a economia real. De outro, uma reforma tributária ambiciosa, mas cheia de pontos cegos, que pode tanto simplificar quanto aprofundar a insegurança jurídica se for mal implementada. E, por fim, uma agenda de moeda digital que bateu no limite entre inovação e controle e precisou recuar para se redesenhar.
Como fundador e CEO da Franchi, o que eu tiro disso tudo é uma responsabilidade dupla. Primeiro, continuar usando tecnologia para criar soluções financeiras que deem autonomia, segurança e eficiência para o empresário. Segundo, participar do debate público com um olhar técnico e independente, sem paixões políticas, mas com clareza sobre o que funciona, o que não funciona e o que pode colocar em risco a liberdade econômica no longo prazo.
Eu não acredito em um Brasil “salvo” por um único instrumento: nem Pix, nem Reforma, nem Drex vão, isoladamente, resolver nossos problemas. O que pode fazer diferença é a combinação de boas instituições, transparência regulatória, competição saudável entre bancos e fintechs e um setor produtivo que aprenda a usar dados e tecnologia a seu favor. Como tributarista e como empreendedor, eu escolhi estar justamente nessa interseção. E é desse lugar que eu olho para o ano econômico do Brasil e digo: as ferramentas estão na mesa; o desafio agora é usá-las para ampliar liberdade e não para restringi-la.



