Por Hugo Garbe, professor Doutor de Ciências Econômicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
A inclusão de uma pessoa física na lista de sanções da Lei Magnitsky representa mais do que um gesto político: trata-se de uma sentença econômica de morte civil, executada sem tribunal, sem contraditório e sem apelação efetiva. Criada em 2012 pelo governo dos Estados Unidos, a legislação foi inspirada na morte do advogado russo Sergei Magnitsky e se tornou um instrumento global de punição contra violações de direitos humanos e corrupção sistêmica. Hoje, países como Reino Unido, Canadá e a União Europeia replicam seus efeitos.
Diferentemente de embargos estatais, a Lei Magnitsky é pessoal. Ela mira indivíduos, não governos ou instituições. E os efeitos são devastadores.
A chamada “morte do CPF” é uma expressão que resume com precisão o que acontece com quem é sancionado: o indivíduo deixa de existir para o sistema financeiro global. Bancos brasileiros com qualquer tipo de operação internacional, caso de Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual, são obrigados a encerrar qualquer relacionamento com o sancionado. Isso vale inclusive para bancos digitais, contas de pagamento e fintechs ligadas a bandeiras internacionais.
Qualquer cartão de crédito vinculado às principais bandeiras — Visa, Mastercard, American Express — torna-se inutilizável.
Pagamentos digitais, transações internacionais, contas conjuntas, investimentos e até mesmo simples transferências via Pix ou TED deixam de ser processadas.
É como se o CPF sancionado se tornasse um código contaminado, imediatamente bloqueado por qualquer sistema que opere sob regras internacionais de compliance.
Estar sob sanção da Lei Magnitsky também implica um banimento tecnológico. Empresas como Google, Apple, Amazon, Microsoft e Meta (Facebook, WhatsApp, Instagram) são norte-americanas e, portanto, seguem as sanções de seu governo. Isso significa:
• Bloqueio de contas em plataformas de e-mail e armazenamento (Gmail, iCloud, Google Drive, OneDrive);
• Suspensão de uso de dispositivos vinculados a Apple ID (como iPhones, iPads, MacBooks);
• Inviabilidade de contratação de serviços por assinatura (Amazon Prime, Netflix, Spotify, etc.);
• Restrição de uso de redes sociais com monetização ou publicidade digital;
• Impossibilidade de utilizar aplicativos bancários, apps de transporte (Uber, 99) e marketplaces.
A exclusão digital é automática e integrada: um CPF ou passaporte listado ativa filtros globais de segurança, que impedem inclusive a renovação de contratos ou a instalação de novos softwares. Até o WhatsApp Business pode ser desativado por conexão com contas de e-mail ou pagamento bloqueadas.
Além do impacto financeiro e digital, o sancionado não pode viajar para países com acordos de cooperação com os Estados Unidos. Isso inclui toda a União Europeia (Espaço Schengen), Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul e México; possíveis recusas de entrada em países do Oriente Médio e América Latina, por efeito colateral de acordos de inteligência e tratados diplomáticos.
Mesmo onde não há veto formal, o indivíduo pode ser barrado em aeroportos, deportado sumariamente ou ter o visto negado por recomendação de autoridades americanas.
Do ponto de vista econômico e institucional, o que ocorre é a desintegração funcional do CPF. A pessoa não pode comprar, vender, investir, contratar, anunciar, viajar, movimentar conta ou acessar os serviços mais básicos da economia digital contemporânea. Isso é o que se entende por “morte financeira” ou “morte institucional”: o fim da capacidade de existir enquanto agente econômico.
O avanço da Lei Magnitsky representa uma mudança de paradigma: não se trata apenas de punir governos ou países, mas de desconectar o indivíduo da economia global. O processo não exige condenação judicial, trânsito em julgado, nem ampla defesa. Basta a avaliação dos órgãos americanos de que determinada pessoa representa uma ameaça aos direitos humanos ou está envolvida em corrupção sistêmica.
É um mecanismo poderoso, necessário em muitos casos, mas que carrega consigo o risco de transformar o Estado de Direito internacional em um Estado de Exceção financeiro. A morte do CPF é silenciosa, invisível e devastadora.
*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.
Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie
A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) foi eleita como a melhor instituição de educação privada do Estado de São Paulo em 2023, de acordo com o Ranking Universitário Folha 2023 (RUF). Segundo o ranking QS Latin America & The Caribbean Ranking, o Guia da Faculdade Quero Educação e Estadão, é também reconhecida entre as melhores instituições de ensino da América do Sul. Com mais de 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pela UPM contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.